8 de out. de 2011

História de Amor - Millôr Fernandes


HISTÓRIA DE AMOR

Num dia, para lá dos tempos e para cá das eras, encontraram-se todos os que eram apaixonados por aquela mesma mulher.

DISSE O ESCRITOR: Eu te descreverei o mundo de mil formas diferentes.
DISSE O COZINHEIRO: Quando ela se cansar de teu palavreado vazio eu a alimentarei com meus acepipes.
DISSE O FARMACÊUTICO: Quando ela adoecer de teus alimentos eu lhe prepararei uma poção.
DISSE O MÉDICO: Quando ela enfermar de teus remédios eu a curarei com minha Ciência.
DISSE O MAQUIADOR: Quando ela sair de tuas mãos pálida e abatida eu a embelezarei com meus cosméticos.
DISSE O PINTOR: Quando ela sair bela de teu salão eu a fixarei em minha tela.
DISSE O JORNALISTA: Eu reproduzirei tua tela cem mil vezes na capa de minha revista.
DISSE O CINEASTA: Eu darei movimento a essa arte parada, colocando-a num filme.
DISSE O GRAVADOR: Eu juntarei à tua cópia muda o som de sua voz, que é tudo.
DISSE O MILIONÁRIO: Eu comprarei todas as cópias para que só eu possa vê-la e ouvi-la.
DISSE O LADRÃO: Roubarei teu dinheiro para oferecer a ela.
DISSE O POLÍCIA: Eu te prenderei para que ela me queira.
DISSE O ADVOGADO: Invetivarei o crime e a violência para que ela me admire.
DISSE O HISTORIADOR: Registrarei na história o crime e o castigo, e lhe explicarei, a ela, a sós, o sentido da vida.
DISSE O CAIXEIRO-VIAJANTE: Que lhe importa a história se eu lhe ofereço o mundo?
DISSE O ASTRÔNOMO: Em matéria de mundo eu lhe ofereço todos.
DISSE O ASSASSINO: Não posso contra todos, mas matá-la-ei, se não for minha.
DISSE O AGENTE FUNERÁRIO: Eu lhe farei então a mais bela campa.
DISSE O POETA: Ela não morrerá; viverá em meus versos.

Millôr Fernandes.

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